segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Sábado no parque


 Ele se posicionou com esmero de um caçador, à espreita do foco. Concentrado, silencioso. Todo cuidado seria pouco no momento e o silêncio instaurado lhe era providencial. Nem um pio da mais inquieta ave. Nem o triturar de insetos nas folhas secas. Nem o vôo lépido e primaveril de um beija flor.

Tencionava registrar aquele momento único e a dúvida seria o quando captar, apertar o gatilho e imortalizar a cena. Em qual passo, do pé direito ou esquerdo, em qual momento seria ideal. Talvez em nenhum, talvez em todos porque todos seriam únicos e nenhum seria comum. Seu objeto de imagem, contudo, caminhava em volta da lagoa, ambos em sua solidão, já que ele seria o único a passear em sua orla e ela era nada mais que água de um brilho esverdeado, sem o habitual navegar dos patos e cisnes. Sequer um barquinho sacudindo sua calma. Até as carpas assanhadas com visitas e comidas pareciam dormir na bucólica paisagem. O fotografo, acostumado ao vai e vem de crianças com coloridos algodões doces, ao passeio do barulhento trenzinho e o ranger das velhas máquinas do parque municipal, estranhava, sobremaneira, a pasmaceira em plena manhã de sábado. Pareciam haver combinado ele, o velho e todo o parque acerca dos atores participantes do inusitado ato.

 Enfim, disse a si mesmo, como sentença: “Olha o passarinho!”, e um rápido flash imortalizou o momento. Meditou por alguns segundos o derradeiros passos que vira do velho, posto que este fosse desaparecendo de sua visão como se o seu objetivo também, qual seria expor para o registro fotográfico, houvesse sido concluído. Segundos após o clique não se visualizava mais sua silhueta e nada que comprovasse sua passagem por ali.

 O fotógrafo agradeceu mentalmente a cumplicidade daquele que fora fotografado sem ao menos perceber. Buscou checar o produto de sua ação, ainda meditativo. Viu congelados os passos do velho, tão calmos quanto à lagoa. Ao fundo, centenárias arvores circundavam o parque e auxiliavam em compor o sedutor cenário. Mais além, do lado externo, construções imponentes autenticavam a selva de pedra, com altos edifícios de onde, por suas janelas, moradores supostamente contemplavam o cercado verde e gorjeante no coração da capital mineira. A foto exibida não deixava dúvidas quanto à beleza e o registro incomum de apenas uma pessoa passeando em volta do pequeno lago. Remetia à solidão. Entretanto, não revelava se esta seria do velho em seu solitário passeio, da incomum manhã do parque, ora anfitrião e requisitado, ou até de seu criador, mero observador e caçador de relíquias.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Brasil, liberdade, igualdade e fraternidade.

Lamentável o atentado ocorrido na França. Notícia que abala o mundo e nos deixa absortos . E a seleções brasileira e argentina, latino americanas,  fizeram minuto de silêncio pela carnificina. Honrado. Sim um horror sem precedentes na história.
Mariana, MG... um acidente trágico sem precedentes na história do país deixou latino americanos mortos e centenas de desabrigados  e condenou  milhares de pessoas dependentes de abastecimento do Rio Doce... Não houve sequer menção à esse episódio terrorista ocorrido na primeira capital mineira. Lamento pela França... Lamento pelo Brasil

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Adão e Eva

Adão e Eva

_Boa noite, senhora. O documento do veículo e habilitação, por gentileza? – inquiriu o policial, segundos após soar o apito e indicar a contenção para estacionamento do veículo. A autoridade empunhava uma lanterna para auxiliar a vistoria, embora a iluminação da Avenida Afonso Pena dispensasse o acessório. Com explícita simpatia e sedutor sorriso, a condutora respondeu ao comprimento e entregou-lhe a documentação solicitada, aproveitando do manuseio da bolsa para apanhar o estojo e retocar a maquiagem. Ajeitou-se na poltrona, promovendo a exibição de um par de coxas cinematográfico, mal contido na justa saia, o que causou dificuldades ao policial em manter a compostura. Pigarreou o agente, tentando desviar os olhos que teimavam em manter desviados à parte do corpo à mostra, e suas mãos tremiam ao recolher os documentos requeridos, ainda porque momentaneamente se esquecera de qual seria seu objetivo naquele momento. O nervosismo do agente, entretanto, aumentou ao validar a habilitação. Mal, muito mal, disfarçou o sobressalto:

_Eh.. Hum... Pre-preciso também de sua identidade, senhora...

A inquirida, ocupada em ajeitar os cabelos com auxilio do retrovisor interno, abandonou ao painel a escova e novamente tateou a bolsa, até enfim localizar o outro documento. Enquanto isso, o militar prosseguia em sua avaliação, não apenas ao veículo, conforme se esperava. “Muita mulher isso... –maquinava- Pernões, peitões... Que mãos! Grandes, na verdade, mas tão bem talhadas! Que boca é esta?”. 
Procurou concentrar-se. Empertigou-se: “Temperança, Cabo Adão. Temperança!”. Removia-se por dentro da farda. Coçou a sobrancelha. No dedo angular sentiu o arder da aliança que lhe parecia apertar com um cinto de silício. Veio-lhe à mente a esposa, de punhos cerrados, excomungado a motorista infratora da família e que deveria ser impiedosamente castigada com gravíssimas multas, sendo também o seu pecaminoso veículo, recolhido por ato de crime de trânsito.

- Aqui... A identidade, meu bem.

A voz oscilava entre rouca e estéreo, como se forçada e o pescoço delgado exibia indiscreto pomo de Adão, o qual subia e descia como compasso de garganta. Desperto do devaneio, a autoridade buscou averiguar o outro documento, novamente surpreso. Mirava a motorista e relia a identificação, alternada e repetidamente. Comparava, meditava. Por fim, balbuciou:

__ Pe...Perdoe-me senhora. Acho que se enganou. Eu preciso é de sua carteira de identidade, ou seja, o “RG” e, ao que parece entregou o de outra pessoa, talvez de seu marido.

Ela sorriu, mostrando os mais brancos e delineados dentes já vistos pelo policial.

__ Não há engano algum, querido... - tentou identificar a credencial do policial, que exibia a patente de cabo e provavelmente o sobrenome Soares - São os meus documentos, sim senhor.

Tendo argumentado, a condutora interrompeu o motor e removeu o cinto de segurança, preparando para deixar o veículo com leve impaciência. Posicionou-se frente ao policial, substanciosa, como se provocasse enorme sombra e obstruisse o homem da lei– Querido, o que há de errado com meus documentos? Veja aqui na habilitação, meu bem: João Carlos Valadão. Confere? Ora, no documento do carro e na carteira de identidade o mesmo nome, certo? O que mais tenho que apresentar ao senhor?- Girou, inclinando-se sobre a porta para retirar algo do banco. Segundos depois um leque era agitado freneticamente, movimentando a cabeleira loura e volumosa.

_Perdão... Então a senhora é... O senhor João?

_Ora, meu bem... Registrado e lavrado na comarca de Belo Horizonte! A propósito, pode me chamar de Eva, que prefiro, e certamente facilitaria nossa conversa. Dúvidas? – Indagou, cravando-lhe os imensos cílios.

Todas as dúvidas possíveis para o cabo que custava a crer em um João tão curvilíneo e recheado de carnes, com vistosas e sedosas madeixas deslizantes sobre o dorso, formando cachos de invejar inúmeras Marias. Os pés não eram pequenos, vá lá, embora as unhas ornavam-no, repousando sobre imponentes saltos. Seria difícil aceitar que tinham algo -certamente em diferentes dimensões- em comum. Outros militares da equipe aproximaram-se feito hienas, melindrosas, porém atraídas pela caça. Ignoraram por completo o veículo que já se delongava na inspeção para diligenciarem a condutora, com indiscreta precisão.

_Positivo equipe. Já vou liberar o carro. Documentos e licenças em ordem. Pode prosseguir o trajeto, senhor...  João!, Perdão! Eva...Claro, Eva!. Boa viagem para o... a... Senhora... - finalizou o Cabo Adão Soares, tentando acalmar os ânimos da infantaria, além do próprio. Suava a cântaros e ainda observava, confuso, ele ou ela que entrou no carro, deixando um rastro de perfume no ar. Ali permaneceu o agente, apito na mão, sem qualquer barulho, a mínima ação, como se a interpelada houvesse lhe arrancado uma de suas costelas e comprometesse para a eternidade a sua viril autoridade. Houve a dispersão e o motor foi acionado. A motorista ajustou as luzes, ajeitou o retrovisor, conferindo novamente a pintura do rosto. Enfim, partiu. Linda, loura e habilitada.